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Reencontro
Nara Pamplona
 
Luz nasceu em uma cidade do interior, sendo a filha do meio dentre cinco filhos. Seus pais eram pessoas tranquilas e amorosas e, com muitas dificuldades, procuravam proporcionar aos rebentos uma boa formação moral e educacional, atentando para os princípios e valores que, por sua vez, haviam recebido dos pais, falecidos quando eles, ainda adolescentes, em tenra idade, foram obrigados a iniciar a luta pela vida. Integravam uma família grande de avós, tios e primos, que primavam pela união e alegria de aproveitarem a vida sempre em conjunto, como programações às montanhas, praias etc...
 
Mas Luiza, muito embora fosse uma criança amada por todos, estudiosa e afeita às brincadeiras próprias de crianças, era considerada estranha por sua mania de se manter, na maior parte do tempo, reservada e circunspecta, preferindo permanecer entre os mais velhos, o que lhe fazia bem ao espírito e às necessidades daqueles momentos.
 
Seus pais já não lhe indagavam sobre suas preferências, pois sua resposta era sempre um silêncio categórico, mas respeitoso.
 
Não desejava responder aos reclamos da família, eis que, jamais acreditariam nas experiências astrais que vivenciava em seus sonhos e que, ao acordar, permaneciam muito reais em sua alma infantil.
 
O tempo foi passando, e, chegando à fase da adolescência sem que nada houvesse mudado em seu mundo, normal para si, mas excêntrico para aqueles que a circundavam, seus genitores mudaram sua residência para uma cidade maior, desejando que os filhos tivessem uma formação educacional melhor, com melhores chances de se situarem bem no campo profissional, uma vez que acreditavam que, na pequena cidade onde viviam,  tal não ocorreria por uma série de circunstâncias.
 
E que alegria tomou conta do coração de Luiza ao chegar à cidade grande, com seus altos edifícios, com grandes parques floridos, coloridos, e uma maior quantidade de lazer, leitura e concertos de música clássica, uma vez que estudara piano por três anos e desejava ser uma grande e conhecida pianista.
 
No entanto, seus pais, em virtude dos parcos recursos financeiros, não possuíam condições para arcar com os gastos da compra de um piano e das aulas, fossem ministradas por professor particular ou pela escola de música, situação essa que entendeu e aceitou, já que sabia que seria diferente se houvesse uma estável situação financeira. Iniciou seus estudos em nova escola, com colegas que, também, a consideravam estranha, mas que a acolheram com muito carinho e companheirismo.
 
Suas viagens astrais tornaram-se mais fortes e constantes, até que, a partir de um determinado momento, passou a manter encontros com uma figura masculina de belos e sedosos cabelos pretos, pele muito branca e olhos, também pretos, que penetravam o âmago de seu espírito. Como se conhecesse suas qualidades e defeitos, mantinha com ela conversas instrutivas, mostrando-lhe lugares tranquilos, irradiando, assim, amor e paz que ela jamais imaginara que existissem.
 
Terminou seus estudos no Ensino Médio e prestou vestibular de Medicina para várias universidades, logrando êxito logo na primeira tentativa, conseguindo ingressar na faculdade com notas altas e entre os cinco primeiros lugares.
 
Tornou-se uma bela moça, alta, esbelta, com formas físicas bem delineadas, morena, com expressivos olhos azuis, sendo, sempre, alvo de muitos olhares de admiração e tentativas de abordagem para relacionamentos amorosos, o que recebia com certa indiferença e frieza.
 
É evidente que, sendo uma mulher com sensibilidade de sentimentos, teve poucos namoros rápidos, chegando a ficar noiva uma vez, terminando o relacionamento antes que o casamento fosse concretizado, por sentir que o noivo não seria a pessoa com quem desejaria criar laços sólidos e permanentes, o que sempre fora o seu sonho.
Findos seus estudos universitários, iniciou sua busca por residência médica em hospitais, necessária à sua futura especialização em Pediatria.
 
Não demorou muito para que conseguisse uma vaga em um hospital federal altamente conceituado, onde passou a integrar um grupo de colegas que teria, como orientador, um médico de escol nesse ramo da Medicina, cujo nome era Ricardo.
 
No primeiro dia de seu estágio, após não conseguir conciliar o sono, apreensiva e aflita, como é natural em todas as atividades que se iniciam, vestiu um vestido simples, mas que a deixou mais bonita e elegante. Tomou seu café da manhã e dirigiu-se ao hospital, sentindo, ainda, aquela ansiedade e aflição que lhe apertavam o peito.
 
Quando ingressou na sala de reunião, onde receberia as orientações e recomendações, seu olhar cruzou-se com os olhos pretos e penetrantes do orientador. Ricardo tinha mãos tão finas e suaves que pareciam pétalas de rosas. Luiza sentiu, então, algo muito forte tomando conta de seu ser, fazendo com que suas pernas tremessem e sua cabeça rodasse com fortes emoções a anular sua costumeira frieza e calma, pois logo veio à sua mente a imagem daquele homem com quem se encontrava, frequentemente, em suas viagens astrais. Era o déjà vu. E uma brisa serena, de imediato, passeou em volta de si, fazendo-a retornar a seu estado normal.
 
Seus colegas não perceberam qualquer mudança em seu comportamento, mas aquele encontro tocou fundo em sua alma e seu desejo momentâneo foi o de não retornar mais àquele hospital, pois Ricardo era bem mais velho e, certamente, comprometido.
 
No entanto, sua vontade de alcançar seu objetivo foi mais forte e continuou participando da reunião, para, logo em seguida, iniciar as visitas às enfermarias.
 
Não demorou muito para que o orientador percebesse a inteligência e os altos objetivos de sua aluna e passasse a manter com ela uma relação profunda de admiração e amizade, ministrando-lhe, nas horas de folga, ensinamentos e esclarecendo suas dúvidas, como também contando fatos de sua vida pessoal, que estava em processo de separação física da esposa, o que decorreria em futuro divórcio.
 
E, como não poderia deixar de acontecer, decorrido um tempo desse relacionamento mais estreito, descobriram que a amizade vinha transformando-se em sentimento muito mais profundo, qual seja o amor. Luiza, atônita, sentiu novamente a vontade de fugir, porém, o sentimento que os estava unindo transformara-se em liame tão sólido, que Luiza perdeu suas forças, continuando o relacionamento que lhes trazia muita alegria e felicidade.
 
Luiza concluiu sua residência, continuando a exercer a sua especialidade, tratando, com carinho, cuidado e zelo, as crianças que passaram a ser suas pacientes, assim como quaisquer outras que necessitassem de cuidados, alugando um sala onde instalou seu consultório, onde atendia clientes particulares e portadores de planos de saúde.
 
Todos os colegas e amigos os admiravam e estavam sempre a dizer da beleza e grandeza dos sentimentos de amor, companheirismo, parceria, solidariedade, que permeavam a vida do casal, em todos os anos que viviam juntos, tanto na vida pessoal, como na profissional.
 
Decorridos vinte anos dessa invejável união, que não lhes proporcionou prole em virtude de problemas de saúde de Luiza, Ricardo, com a face pálida, demonstrando imensa tristeza, chamou Luiza para uma conversa séria, recomendando-lhe que, após ouvir o que tinha a dizer, mantivesse a serenidade e a calma, pois o que ocorreria era inevitável e seguiria um plano, aceito pelos dois, de crescimento e aprendizado.
 
E, olhando bem nos olhos de Luiza, estes já marejados de lágrimas, falou de sua partida sem retorno, que sua permanência na terra fora programada por eles, e que ela se mantivesse forte, eis que um dia haveria o reencontro. Ela, ainda chorosa, não acreditou muito no que estava a ouvir, mas sentiu tranquilidade envolvendo-a.
 
Poucos dias depois, após uma noite de trocas de juras de amor eterno, carícias, beijos sentidos, Luiza acordou e, olhando para o outro lado da cama, não viu Ricardo, passando a procurá-lo em todos os cômodos da casa, já que ele jamais tivera esse tipo de comportamento. Acordavam, deglutiam o desjejum e seguiam juntos para o trabalho.
 
Iniciou uma busca na casa de parentes, amigos, hospitais, necrotérios, não logrando êxito em encontrar qualquer notícia.
 
Anos passaram-se e a situação permaneceu a mesma, com a saudade corroendo o coração de Luiza, que sangrava, e cuja ferida não cicatrizava.
 
E, mesmo assim, sua vida continuou, com um forte sentimento de perda, mas, lembrando as recomendações de Ricardo, aquietava seu coração e prosseguia em uma vida normal de trabalho, encontros com amigos e viagens.
 
Até que, um dia, ao conciliar o sono, sentiu-se projetada no espaço, em veículo cuja forma não conhecia, chegando a um parque muito florido, onde, em um banco pintado de branco, vislumbrou uma imagem masculina que não reconheceu de imediato. Aproximando-se, eis que seu espírito foi envolvido em emoções conhecidas e vívidas, já que ali estava sentado, com um belo sorriso nos lábios, seu amado Ricardo, que a abraçou e beijou forte e longamente, sem dizer uma só palavra.
 
Passados os momentos iniciais de inominável alegria e felicidade por esse encontro, iniciaram um longo diálogo, interrompido pelo despertar de Luiza, que pouco se lembrava sobre os termos da conversa, mas sim da comoção intensa causada por esse contato extracorpóreo.
 
Luiza voltou, todas as noites, a ter suas viagens astrais, encontrando, para sua felicidade e alegria, seu amor eterno, sua alma gêmea, amenizando a saudade que sentia e aguardando o seu término de ciclo de aprendizado, para um novo reencontro.
 
Nara Pamplona
Enviado por Nara Pamplona em 21/12/2018


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